17.1.05

Trinta e Quatro

Muitos psicólogos dizem que todo ser humano procura preservar a própria vida, renegar a idéia de uma morte cruel e além de tudo isso, convivendo com o medo e o desejo, procurar a felicidade. O instinto de preservação de Clarisse nunca foi muito aguçado, por ter sentido (e abrigado) a solidão por muito tempo na sua infância, ela acreditava não causar mal nenhum ao mundo. Sentia como se fosse apenas ela, o tudo e o nada. Enquanto viva ela seria o tudo, e morta o nada. Ainda confusa com a resposta do seu reflexo, Clarisse imaginava como seria o casamento do tudo e do nada. Seria isso possível? De todos antagonismos trágicos que Clarisse já leu na vida, ela sempre preferiu o final onde o impossível encontrava descanso na morte. E o impossível descansa? Ela não sabe, e agora dúvida de tudo, até mesmo do seu cansaço. Com as lágrimas secando pelo corpo, Clarisse sorri inocente para a luz anêmica que ainda grita. Clarisse é par antagônica de si mesmo. Ela descobriu a mentira que faltava.

Trinta e Três

Ela que pensava conhecer tão bem seu amor pelo nada, notou que nunca o teve. Sempre tomada pelo tudo, por certezas, memória e esperança. Como ela, o algo, poderia amar o nada, e ainda, querer ser amada? Afinal o que ela possuía? E quem a possuía? Quando contemplava, ela era o nada, Clarisse se amava de forma tão narcisista e egoísta que sempre esteve submersa na falta de sentido. Que menina boba, nunca percebeu que o amor da sua vida é seu próprio reflexo. Hoje ela se terá, tocará o nada, beijará seu avesso. A decisão já foi tomada, Clarisse fita os olhos no espelho e pergunta ao reflexo: "Quem sou eu em você?". Passado alguns piscares de olhos, o reflexo lhe responde: "eu sou o nada do tudo que és mim, prestes a não ser, prestes a ter sido." Clarisse entende a resposta, e chora.