8.6.05

Quarenta

"Alice esperava, aflita, o próximo tombo." Ela e o espelho-mundo são paralelos. As frases se entre cruzam. O reflexo é fotografia canhota. Se o reflexo é canhoto, Clarisse é destra. Direita, correta. Blábláblá... mentiras. Não há dualismos, nem verdades. Clarisse e o espelho-mundo existem (ponto). O que importa saber o que ou quem ela é? O fato é ato, e ela é. (Lálálá... everyone is something) Mas o ser perdeu a beleza, e sem beleza Clarisse não goza. Assim sendo, ela mutila-se, destrõe a fonte dos reflexos... não o espelho, mas ela-mundo. Destruir-construir, não hoje... somente destruir. Cansar e ferir o que pode ver. O sangue tem dor violeta, e logo quando adormece no chão, é cinza. Qual é o aborto dessa vez? Qual monstro morrerá? O bom-que-sofre ou o mau-que-goza? Clarisse não vai escolher, nem tão menos criar. Sua arte está morta. O coração bate, Clarisse dança, invoca o nada, a cegueira, a surdez, a dormência. A saliva escapa para raptar gostos secos. Clarisse encosta os lábios no ralo imundo da pia, grita. Grita para os restos gozarem a dor. Grita alongando sua língua em beijo lúgubre. Não importa os espelhos do mundo, ela renegou sua imagem.

Trinta e Nove

"E se for assim? Esse cubo não é mágico." Ouviu dizer que o fim está próximo, não se lembra exatamente quem disse, mas alguém o disse. Talvez tenha sido algum crente querendo seu arrependimento. Quem além de mim já amou Clarisse? É nocivo, muito nocivo compreender o vazio. E ela simplesmente o toma no colo, e brinca com ele. O que mais invejo em Clarisse é que ela tem 14 anos, e não cria calos no espírito. Aquele limo, a luz anêmica, o cheiro do mofo, as violetas que fracassam na sua ressurreição... todo esse cubo é Clarisse. Ela não ousa abrir a porta, pois permanecerá frio e cinza. Ela é aquela estátua sem cabeça que recepciona obscuridade no hall de entrada, onde, por certo, a luz deveria entrar, mas não entra. Clarisse não tem olhos pra ver a luz. Clarisse está nua. As veias transparecem. É utópico pra mim se suportar sozinho. O que não tem seu reflexo no mundo? O quê? Ela furaria os olhos para não se ver mais nas coisas, não ver sua dor, não excitar-se da sua fealdade. E de que serve? Todos olhos porosos teriam, também, que ser furados. Mas poros são buracos. E buracos negros não se fecham, apenas engolem.

Trinta e Oito

Houve um tempo em que Clarisse acreditava em significados. Perdia horas procurando pelo que não havia perdido. O que dizer sobre as cinzas? O que em Clarisse não é assim, até mesmo seu sangue, quando fora de si, toma tons de concreto. Se suas olheiras não fossem tão negras, se pintaria de carvão. O que o corpo vai fazendo com tudo aquilo que não o compõe? O que falta para as cinzas se tornarem puras? A cegueira. Se o universo não fosse tão pequeno - uma vez disse Clarisse - ela beberia todo leite que desenha o caminho da galáxia. Poucas vezes Clarisse acolheu um respirar suave ao seu lado. Não há motivos, por que a curiosidade com a vida? Era somente um espelho, era ela tentando ver-se de perfil, depois suas costas. Clarisse corria para longe... até cansar e dar-se por conta que o objetivo nunca possui signo pra ela. O universo não cabe em seu vazio, nenhuma porra sacia, pois o tudo são restos, o tudo está em pedaços - pequenos pro buraco de Clarisse. Nunca poderá engolir o tudo... nunca. Medíocre - "não serei comida por pedaços...". Clarisse cospe o dedo pra fora da boca. Queria morrer, mas para todo lugar onde mira, há reflexos dela. Será que está condenada a se ver no mundo? Mas se assim fosse, o que ela veria, se se considera nada. Clarisse é recorte. Não absoluto.