12.7.05

Quarenta e Dois

Quando foi mesmo que tudo isso começou? Não mais que alguns séculos... desde que o homem se declarou centro do mundo. Gritaram, mas quem se importa? Os acertos são méritos racionais, os enganos: castigos divinos. Ainda que Clarisse seja livre, suas veias estão manchadas de tanto tentar se renovar.Que sentido faz romper o cordão? De que serviu romper com a memória, romper as verdades do mundo?, Clarisse não consegue romper consigo mesma. Mastiga com nojo a suavidade do ar sujo. Fecha os olhos e vê um lençol manchando o azul, a definhar ao sol. Sempre haverá o peso morto, nada se renova por completo. Talvez seja preciso Clarisse acreditar no que não vê, e aceitar o beijo gélido de seus fantasmas.. mas não foi isso que aconteceu. Seus horizontes não estão mais lá. O mais distante que ela vê são manchas, mesmo que feche os olhos, mesmo que tudo se resuma a nada, o silêncio persiste em manchar a falta de sentido. As lágrimas se cansam de cair, estão machucadas. O corpo se cala na busca de calos. Seus seios recebem um suspiro, não há depois para se pensar.

Quarenta e Um

Sua cicatriz começa a doer. Clarisse na noite que passou, havia sonhado com sua mãe. Já não era a primeira vez que tinha o mesmo sonho. Sua mãe era outra, era sua irmã, só que falava, e tinha outros dois filhos mais novos. "Será que vai romper novamente?". Sempre que sonhava isso, acordava com um vazio desconfortável (coisa rara em Clarisse, seus vazios são saborosos). Ela amanhecia com o olhar cúmplice. Nota com certa admiração os traços maternos que vem tomando conta de seu rosto. Não há rugas, mas as sente por debaixo da pele. Clarisse herdou o cansaço. O pai não se lembra, acha que ainda é vivo, mas não se importa em saber. Está sangrando. O que fazer quando a ferida torna a abrir? Até calos já tinham se criado. O sangue não era o mesmo, a dor não era a mesma. Um pequeno risco. Chegara a pior parte, o desconforto da solidão. As violetas são jogadas roxas contra a parede. Um susto. Não há mais cicatriz para acariciar, ela sumiu.